Na infância, conversar e brincar com um amigo invisível não
deve ser motivo de preocupação para os pais, que, muitas vezes, ficam
alarmados achando que há algo de errado com seu filho. É muito comum
que as crianças dos três aos seis anos inventem este tipo de fantasia. “Faz
parte do universo delas e é muito saudável. As experiências de faz de conta
ajudam as crianças a criarem recursos para lidar com situações reais, como as
de conflito, amor, ansiedade, medo ou mesmo desenvolver a própria
criatividade”, afirma a psicóloga Brisa Campos, do Colégio Viver, em São Paulo.
Além de ajudar na formação da personalidade, o diálogo
fantasioso aprimora a linguagem oral, pois, normalmente, as crianças ficam
conversando longamente sozinhas. “Esse é um exercício para futuros diálogos com
seus pares ou adultos com os quais se relaciona”, explica a psicóloga.
E não é só um personagem invisível que pode se tornar o
melhor amigo de seu filho. Ele pode eleger um brinquedo ou um objeto que
representa a figura humana e faz parte de sua rotina em casa ou na escola. “A
criança fantasia situações do cotidiano nas quais é ela quem tem o domínio da
situação. Tendo o poder de controlar, se sente importante e especial.
Geralmente, imita falas e gestos dos pais, professores ou coleguinhas”, afirma
a psicóloga Marta Bitetti, diretora do Colégio Ápice, também em São Paulo.
Autodefesa infantil
Muitas vezes, o imaginário surge da necessidade de uma
companhia. “O motivo é sempre relacionado a questões internas que estão sendo
trabalhadas e que fazem parte de uma mudança na rotina: a chegada de um irmão
ou a separação dos pais, por exemplo . Mas trata-se de um recurso natural, saudável
e passageiro”, conta a psicóloga e psicopedagoga Eliana de Barros Santos,
diretora do Colégio Global, em
São Paulo. A fantasia faz com que a criança se acalme quando
está ansiosa, carente, com raiva ou sentindo medo. Muitas vezes, ainda, usam a
voz de mentira para poder dizer coisas que não diriam normalmente.
Ao descobrir, os pais devem aceitar e entrar na brincadeira,
sem se preocupar ou interferir. É melhor tratar tudo com naturalidade. “É uma
fase transicional, que ficará para trás quando o vínculo com o mundo externo
estiver mais consolidado e for possível ter experiências seguras com um amigo
real”, diz Brisa Campos. A psicóloga infantil Paula Pessoa Carvalho concorda.
“Os pais nunca devem ignorar os relatos do filho. Só é preciso ficar de olho no
que fala e faz. Se deixar de brincar com os amigos ou não quiser sair de casa
por causa do amigo imaginário é motivo para investigar”, declara.
É um erro repreender a criança ou dizer abertamente que seu
amigo é fruto da imaginação. “Só vai deixar a criança confusa e com tendências
ao isolamento ou envergonhada, mexendo muito com sua autoestima”, segundo Marta
Bitetti. E passar a mentir pode ser a saída quando os pais não aceitam o amigo
invisível.
Porém, também é um engano incentivar a relação invisível. “A
criança pode crer que a voz do amigo tem mais repercussão no ambiente familiar
que a sua própria e corre-se o risco de que ela se sinta invadida em seu
processo de criação. O espaço da fantasia deve surgir de forma espontânea,
porque o filho demonstra interesse, e não por uma insistência da parte dos
pais”, declara Brisa Campos.
Hora do adeus
Um belo dia, seu filho lhe dirá que o amigo foi embora – e
esse também é um processo normal. “Por ser uma fase passageira, normalmente, a
criança encontra formas de abandoná-la sozinha. Se quiserem, os pais podem
dizer que o colega foi viver a vida dele, que está bem, se divertindo e
aprendendo na escola. O importante é passar segurança ao filho de que o
ambiente em que vive é bom”, diz a psicóloga Brisa Campos.
Se a criança atingir sete ou oito anos e ainda manter os
diálogos de conto de fadas, a família pode intervir e ajudar na transição da
fantasia para a compreensão da realidade de forma espontânea. “Para isso,
proponha, por exemplo, que seu filho escreva histórias com o amigo, o desenhe.
Isso faz com que a criança caracterize mais este representante do seu ‘eu’ e,
com isso, perceba e verbalize que ele não existe”, diz Brisa Campos.
Mas quando a brincadeira deixa de ser saudável e se torna um
problema para os pais? “Quando deixar de se relacionar com colegas de seu meio
ou ainda se já está na pré-adolescência e continuar acreditando”, afirma Paula
Pessoa Carvalho. Nestes casos, é preciso procurar orientação profissional e
contar com a parceria da escola em que a criança está matriculada para observar
se ela se comporta da mesma maneira no universo estudantil.
Por: Katia Deutner
0 comentários:
Postar um comentário